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sábado, 23 de fevereiro de 2013

O milagre do poço

Diante das palavras do menino, todos se entreolharam, pois sabiam que o poço não tinha mais nem uma gota d'água sequer! No entanto, ele falara com tanta convicção que a fila se formou...
Fernanda Cordeiro da Fonseca
A Paróquia de Nossa Senhora das Vitórias era simples, mas cheia de vida. O padre Maurício sempre promovia diferentes atividades e incentivava a comemoração das festas dos santos do calendário litúrgico, contando com o apoio maciço dos fiéis, que além de participar com piedade dos atos religiosos, engalanavam o templo com flores silvestres e fitas coloridas. Na catequese, as crianças se preparavam para a Primeira Comunhão ou para a Confirmação, em grupos animados e dinâmicos. A frequência aos Sacramentos era intensa e a aldeia era uma das mais tranquilas da região, pois seus habitantes tinham como lema o mandamento deixado por Nosso Senhor Jesus Cristo: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 15, 12).
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"Eu tenho uma proposta a fazer para
resolvermos o problema da água"

Não obstante, um forte desejo alimentava o coração do bom pároco e dos habitantes do lugar: construir uma grande e bela igreja em honra da Padroeira, já que o edifício existente era muito pequeno e estava se deteriorando pelo tempo. Não havia, porém, meios econômicos para levantá-la...
Ali era uma região um tanto agreste e, no verão, a seca castigava o povo. Era preciso subir até o alto de um monte próximo para conseguir um pouco de água no único poço que abastecia as famílias nessa época. Era um poço antigo, mas nunca havia secado. No verão daquele ano, entretanto, até ele parecia estar escasseando seu abastecimento. Houve vezes em que não subiu uma gota d'água sequer no velho balde de carvalho... Era grave o perigo que corriam, pois, se o poço secasse iam ficar à míngua.
Num sábado pela manhã, as crianças chegaram agitadas na catequese, comentando a falta d'água em suas casas e os problemas que isso estava acarretando. Paulinho, que sempre fora líder entre todos, tomou a palavra e disse:
- Eu tenho uma proposta a fazer para resolvermos o problema da água de nossa aldeia.
Os olhinhos curiosos das crianças se dirigiram para o menino. Até mesmo o padre Maurício queria saber a sugestão:
- Pois então diga, Paulinho, qual é sua ideia?
- Por que não fazemos uma promessa à Virgem das Vitórias, nossa Padroeira? Pedimos a Ela para não deixar secar o poço e prometemos iniciar a construção da Igreja em sua honra, no alto do monte.
As crianças aplaudiram a ideia do companheiro e o sacerdote sorriu comprazido pela fé daquela alma inocente. Contudo, pensava ele, como conseguiriam os meios para isso? E o menino continuou:
- Fazemos a promessa e, seguros do socorro de Nossa Senhora, começamos uma ampla campanha na aldeia e por toda a região, em benefício da construção. Estou certo de que Ela nos atenderá e em breve teremos nossa bela igreja paroquial. Que acham?
Adriana, de apenas sete anos, aplaudia saltitante, dizendo:
- Isso mesmo! Nunca se ouviu dizer que alguém tenha pedido algo a Nossa Senhora e não tenha sido atendido... Ela nos dará a vitória! O piedoso pároco se emocionou, pensando: "De fato, Deus escondeu grandes coisas aos sábios e as revelou aos pequeninos"... Levantando-se, disse animado:
- Pois, então, mãos à obra! Vamos convocar todos os paroquianos para nossa ousada empresa.
Aquela gente humilde e cheia de fé iniciou a campanha para cumprir a promessa. Percorriam as ruas, os campos e as fazendas vizinhas pedindo meios, em dinheiro ou em material de construção. Logo apareceu um engenheiro da capital que se interessou pelo projeto e fez os planos do templo. Conseguiu ele doações nos seus meios e os caminhões começaram a chegar. Tratores subiam o monte do poço, preparavam-se os fundamentose, com o decorrer dos meses, as paredes iam sendo levantadas.
Passou aquele verão, veio o outono, o inverno, e nunca secou a água do velho poço! Chegou a primavera e com ela as abençoadas chuvas abasteceram os reservatórios das casas e dos campos. A construção da igreja ia de vento em popa e estava previsto seu término para o próximo verão. Padre Maurício preparou o programa de inauguração da nova igreja, incluindo uma grande procissão de traslado da imagem de Nossa Senhora das Vitórias até o novo altar-mor, todo feito em mármore de cores lindíssimas.
O verão deste ano, todavia, castigava ainda mais que o anterior. E a água do poço secou completamente! Não havia meio de retirar dele uma gotinha sequer... Iria Nossa Senhora abandonar quem se havia posto sob sua proteção? O padre estava preocupado, porque dali a dois dias seria a procissão e o povo iria chegar sedento à igreja, depois de percorrer um logo caminho sob o Sol causticante para subir o morro. Confiante no auxílio da Mãe de Deus, não cancelou a cerimônia e fez tudo como se nada estivesse acontecendo.
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Paulinho falou com tanta convicção que a fila
se formou e... Oh, milagre!

Chegado o esperado dia, a procissão se fez solene e animada. Um imponente andor ornado com as flores silvestres da região transportava a imagem. Os fiéis cantavam e caminhavam com entusiasmo. Só de avistarem a altaneira torre da nova igreja seus corações se enchiam de alegria. Quando chegaram ao templo, cansados e afogueados, nem se importaram com o calor que sentiam e entraram com a Virgem, triunfalmente.
Terminada a cerimônia, porém, a sede apertou... Paulinho, então, tomou a iniciativa de dizer:
- Não se preocupem! Conseguimos cumprir nossa promessa! Façamos uma fila perto do poço.
Ninguém sairá dali com sede! Todos se entreolharam, pois sabiam que o poço não tinha mais nem uma só gota d'água! No entanto, o menino falara com tanta convicção que a fila se formou e... Oh, milagre! A água abundava cada vez que desciam o balde! Verdadeiramente Nossa Senhora lhes havia dado a vitória! E nunca mais tiveram problema com a seca.
(Revista Arautos do Evangelho, Out/2012, n. 130, p. 46-47)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O tesouro da cidade

Ao chegar a vez do último concorrente, todos os olhares se voltaram para ele. Era um senhor muito entrado em anos, que caminhava com dificuldade, mas não levava nada nas mãos...
Bárbara Honório
Grande era a festa na cidade! Afinal, completar 100 anos não é pouca coisa... Cada filho daquele solo tinha algo para contar do que ouvira de algum antepassado, antigo fundador da que outrora havia sido uma pequena vila e se transformara, agora, no pujante centro urbano que via florescer os esforços de seus maiores.
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O que outrora havia sido uma pequena vila
transformou-se num pujante centro urbano

Suas belas praças ajardinadas eram o orgulho dos habitantes. Não ficavam atrás os agradáveis parques, conservando a flora e fauna da região e garantindo, juntamente como a verdejante arborização das ruas e avenidas, o ar puro para as pessoas. A prefeitura marcava presença com sua imponente construção, revelando a confiança da população nos homens escolhidos para o governo do município, os quais exerciam seu ofício com sabedoria, zelando pelo bem comum. E as torres da Matriz, altaneiras e marcadas pelo tempo, sobressaíam sobre todos os edifícios, despontando como signo das raízes católicas a partir das quais nascera tão aprazível cidade. No entanto, quanto mais o desenvolvimento material chegava, menos as pessoas acorriam para os ofícios religiosos e mais para os acontecimentos civis e sociais, e o majestoso templo se via cada dia mais vazio de verdadeira piedade...
Para marcar tão significativa data, a prefeitura promovera o Concurso do Centenário. Quem possuísse o objeto antigo de maior valor, simbólico e histórico, receberia o título de cidadão honorário, durante as festividades.
Na data estipulada, o povo se reuniu na praça da Matriz para a apreciação das antiguidades e a proclamação do vencedor. Os vendedores ambulantes de doces e comestíveis aproveitavam o afluxo de gente, e as crianças se encantavam com os coloridos balões a gás, pedindo aos pais este ou aquele globo. O burburinho aumentava, cheio de vitalidade.
Depois da banda municipal abrir o ato, tocando algumas marchas, fez-se um respeitoso silêncio, próprio à solenidade da ocasião. O prefeito dirigiu algumas palavras de boas-vindas à população e deu-se início ao Concurso do Centenário. Os inscritos, chamados por ordem alfabética, deveriam expor o objeto e contar sua história, para avaliação de seu devido valor. Um homem levou o primeiro quadro pintado por um dos fundadores da cidade, pois era seu bisneto, representando a paisagem primitiva da região, bem como o primeiro casario e a primeira capela erigida onde agora se encontra a Matriz. Outro apresentou um lustroso e bem cuidado Mercedes, pertencente a seu trisavô, o primeiro carro a rodar por aquelas ruas, ainda em funcionamento. Outro mais levou o primeiro exemplar do jornal editado pela imprensa local. Uma senhora abriu uma linda caixa de veludo, onde estava um magnífico e reluzente diamante, o primeiro e maior a ser encontrado nas minas da cidade. A cada objeto exposto, as pessoas aplaudiam, achando tudo muito interessante, parte da história remota de cada um.
Ao chegar a vez do último concorrente, todos os olhares se voltaram para ele. Era um senhor muito entrado em anos, que caminhava com dificuldade, mas não levava nada nas mãos... Desconhecido por poucos, foi logo reconhecido por todos como sendo o senhor Zacarias, o pastor de ovelhas que morava nas montanhas circunvizinhas e era amigo do pároco da Matriz, aonde ia todos os dias, apesar da distância, para participar da Santa Missa matutina. O pároco, que a tudo assistia a certa distância, porque não lhe haviam dado nenhum lugar no palanque das personalidades, estranhou a presença do amigo e ficou ansioso por saber o que ia apresentar, pois sabia não possuir nada de grande valor.
Deram-lhe a palavra para apresentar seu objeto e a multidão começou a cochichar, criando grande suspense em torno da legendária figura, sem nenhum objeto nas mãos... Ele começou dizendo que talvez fosse o cidadão vivo mais antigo e se alegrava por todas as coisas expostas, porque representavam a riqueza da vida daquela amada cidade. E via que os aplausos demonstravam a admiração de todos pelo que os outros possuíam, sendo este um grande valor de sua gente. Tirou, então, de dentro do bolso do paletó um papel amarelecido, o desdobrou com cuidado e disse:
- Porém, apesar de tudo, posso afirmar que aqui está o nosso maior tesouro! O que lhes trago é a certidão do primeiro menino a receber as águas batismais em nossas terras, das mãos do primeiro pároco que aqui viveu, semeando a Palavra de Deus nas almas e doando sua vida pelo bem de todos. Esse menino era quem lhes fala e o pároco era seu irmão mais velho, que já partiu para eternidade. Não pode haver tesouro maior do que o Batismo, que nos torna filhos de Deus, herdeiros do Céu e pedras vivas da Igreja, Corpo Místico de Cristo.
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As pessoas caíram em si e perceberam o quanto haviam se esquecido de Deus nas festividades, resultado de sua diminuição de fervor, preocupados que estavam apenas pelas coisas e pelo progresso material. Aquela festa só seria completa se dessem graças a Deus pelos 100 anos de evangelização da cidade e pedissem proteção para muitos outros mais. Com efeito, o senhor Zacarias tinha razão: não há tesouro maior do que participar da natureza divina pela graça batismal, sob cuja luz nascera a cidade. O devoto ancião recebeu, merecidamente, o título de cidadão honorário.
Chamando o pároco que, sendo o ministro de Deus, estava injustamente relegado, os organizadores pediram-lhe que as comemorações terminassem com uma Missa solene na Matriz e uma procissão com o Santíssimo Sacramento pelas ruas, para que o próprio Cristo, ali presente, fosse o grande homenageado da festa e abençoasse o povo para sempre. E, em uma semana, assim foi feito.
A partir daí, toda a população voltou a frequentar a Igreja e os Sacramentos, com grande fé, e a cidade cresceu ainda mais, tornando-se a mais próspera de toda a região.
(Revista Arautos do Evangelho, Set/2012, n. 129, p. 46-47)